sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A VIDA, NUA E CRUA.

Um texto.
Muito bom, na minha opinião.
Para que já conhece, lembrar.
Para que não conhece, poder conhecer.

O terreiro árido, povoado apenas de terra rachada e espinhos de joá reflete o sol inclemente da manhã. Dentro do barraco de taipa de pilão as crianças brincam no chão de terra. O suor desce pelo rosto e só as moscas teimosas sentem-se confortáveis.

O rincão do norte da Bahia, quase Piauí já tem o nome de Boca do Joá. A fazenda largada pela família do Coronel Justiniano há muito tempo, hoje é habitada apenas pela família do Zé de Enoque. Sertanejo sofrido, rosto marcado, secas sem conta já atravessou. Mulher morrida e dez filhos prá criar.

Maria Justina a mais velha, onze anos. Abaixo dela, uma escadinha. A caçula de ano e meio. Triste vida. Seca. Miséria e fome. Um rádio distante toca uma música de Luis Gonzaga. Deve ser o rádio do carro de Zé Simão. Outro som, por ali não há.

Maria Justa, que é como o pai lhe chama sai no terreiro prá ver de onde vem o som. Um carro velho parado lá distante na entrada da porteira quebrada mostra quem chega. É Zé Simão sim, aquele velho nojento.

A menina apanha uma lata com água suja do barreiro e corre prá dentro. Esconde-se no canto. Não gosta daquele homem. Da última vez que veio ficou bolinando seus peitos. Doeu muito e ele não parava de espremer entre os dedos o bico miúdo. E os olhos, então? E o calor que lhe subiu pelas pernas e foi parar na boca do estômago vazio?.Vazio de fome, de saudades da mãe que se foi há pouco tempo. Ela chorou muito nesse dia. Não entendeu direito a conversa do pai com o Zé Simão. Entendeu só que o vizinho dizia pro pai por preço que outro dia voltava. Não teve coragem de perguntar ao pai do que se tratava. Não entrava em conversa de adulto. Ficou sem saber.

Agora aquele homem nojento estava ali de volta. Ela não sabe o que é, mas sente medo e um negócio estranho quando vê ele se aproximando da entrada da casa. Umas galinhas magricelas correm pelo chão quente e vão se abrigar dentro da casa denunciando a menina que se encolhia acantoada.

--ô de casa? Pergunta o vozeirão do homem que fede a bode na porta

Maria Justa fica quietinha como a querer dizer que não tem ninguém em casa. Mas os irmãos pequenos doidos por novidades correm à porta e já se amontoam junto às pernas do homem que tampa toda a passagem com seu corpo.

Seus olhos assustados de bugre fugidio encontra os do homem ali à frente.

--Não escutou chamar, não sua bugrinha fedorenta? É o homem que fede a bode falando prá ela enquanto corre os olhos pela casa inquiridor.

--Onde está o pai? Volta a perguntar.

A menina assustada se cala, quer correr, quer gritar. Nenhum som sai de sua boca. Travada. Seca.

--Diacho de bugrinha abestada, resmunga o Fedido.

Texto de VALTER FERRAZ




Um comentário:

Dora Coimbra disse...

Aninha, muito bonito o seu texto, mas ao mesmo tempo estas personagens como o Fedido me assustam.
Muito obrigada pelas suas orações pela minha amiga, realmente ela precisa que rezemos por ela, por isso peço também a nosso amiguinho, Jesus, que olhe também por você e por toda a sua família, por você teve também a coragem de orar. Se você quizer minha amiga, pode dar o nome do meu blog a suas amigas, serão sempre mais alguns amigos a rezar, o que será sempre melhor, quantas mais orações melhor, obrigada.
bjs